segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Alfaiataria Real (III)

    Continuando o périplo pelo mundo pessoano depois destes três posts, olho agora para um poema de Álvaro de Campos, intitulado "Depus a máscara". A razão da escolha deste poema em particular foi, um terço dela pela sugestão de alguém, outro terço pela beleza do mesmo, e outro terço pelo pequeno tamanho que me permite fazer uma análise com a qual me contente sem ter de estar a reler o texto durante horas.

Eis o poema:

Depus a máscara e vi-me ao espelho. —
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa




   Este texto, de 10 versos apenas seduz-me, principalmente, por três factos. Primeiro, pela boa pontuação, a qual, interpretada por alguém que saiba declamar, leva a uma temporização dos versos essencial para que o poema soe bem. É difícil mostrar isto sem uma declamação do poema. Mas, servindo de exemplo, enquanto o travessão do 1º para o 2º verso indica uma transição rápida e ríspida, do 3º para o 4º as reticências pausam a leitura para uma ideia diferente dos primeiros 3 versos. Pode parecer idiota e até mesmo picuinhas reparar nisto, mas é sinal de que há poetas que se preocupam com o que escrevem, como o escrevem e como deve ser lido para ser realmente um poema agradável aos ouvidos. 
  Em segundo lugar, o léxico simples fica bem aqui como em muitos textos. Principalmente num texto sobre simplicidade, sobre uma alma nua sem máscara, é engraçada a coerência que o léxico tem, assim, sem muita erudição, exceptuando "términus". Acho que é um tanto exagerado dizer que a palavra erudita coincidir com o tornar a pôr da máscara é propositado, no entanto.
   Finalmente, outra expressão da simplicidade é a ideia explícita, una, numa só estrofe, perceptível, do texto. A comparação da personalidade a uma máscara, como traços fora do "eu" genuíno que se foram ganhando e que servem, de defesa, ou para disfarçar as nossas debilidades. E a ideia de que a máscara pesa, expressa em "Assim é melhor/ Assim sem a máscara", e de que, no fundo, se é sempre criança. No fundo, o texto revela uma conclusão aprendida e vivida pelo "eu poético" de que nós complicamos demais, de que é bom não levarmos as nossas idiossincrasias tão a sério. 
   Pela sua simplicidade, ao contrário de muitos poemas de Álvaro de Campos, pela clareza de mensagem e bela sonoridade, este é um poema do qual gosto e, apesar de não indiscutivelmente, é um belo texto.

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